quarta-feira, 22 de setembro de 2010

a natureza última de uma simples gota d'água é a mesma do oceano

Peço desculpas por fazer perguntas pessoais. Não estou perguntando apenas por mim, mas por muitos. Quem é você e por que veio ao mundo?

Se essas perguntas são pessoais ou não, não faz diferença, porque, pra mim, a pessoa não existe. É impossível fazer perguntas pessoais, porque ninguém é uma pessoa. Na verdade, fazer perguntas pessoais não é presunção, mas presumir-se ser uma pessoa é que é presunção. [...] Na realidade, não há pessoas; melhor dizendo, há somente uma pessoa. Só de Deus pode-se dizer que tem uma personalidade, porque só Ele pode ter um centro.
Nós não temos centro. O centro em nós não existe, mas nós assumimos um centro. Esse centro assumido é o ego. O ego é hipotético, ilusório, mas sentimos que sem um centro a vida é impossível.
Assim sendo, você pensa que essas questões são pessoais, mas enquanto elas não são dirigidas a mim, são dirigidas a uma não-entidade. No que me diz respeito, não sinto de modo algum que sou uma pessoa. Quanto mais fundo se vai, menos se é, e quando alguém alcança o âmago supremo de si mesmo, não existe nenhum "eu".
Em segundo lugar, você pergunta quem sou eu. Eu lhe digo: "eu não sou". Estou sempre dizendo aos que buscam que perguntem a si mesmos: "Quem sou eu?", não para que venham a saber quem são, mas para que chegue um momento em que a pergunta seja feita tão intensamente, que o perguntador não esteja mais presente, e só a pergunta permaneça. Haverá um momento em que a questão será absolutamente tensa, tanto quanto pode ser. Então se revelará o seu absurdo. Você ficará sabendo que não há ninguém que possa perguntar "Quem sou eu?", nem a quem se possa perguntar: "Quem é você?" A pergunta não é feita para se obter uma resposta, mas sim para se transcender a própria questão.
[...]
Quando você pergunta: "Quem é você?", isso para mim significa "O que é?" Mas, por meu intermédio, você fez uma pergunta fundamental.
"O que é" não é "eu", mas o próprio ser, a própria existência. Quando se mergulha a fundo em uma única gota, encontra-se o oceano. Só na superfície a gota é apenas uma gota. Ela é a própria existência. Assim, a natureza última de uma simples gota d'água é a mesma do oceano. É oceânica. Somente na ignorância alguém é uma gota d'água. A partir do momento em que alguém sabe, sabe que é o próprio oceano.


Trecho retirado do primeiro capítulo do livro "Eu sou a Porta", do Guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh.

domingo, 19 de setembro de 2010

Cartas na Mesa


Li ontem uma matéria sobre o Medo, na Vida Simples. Uma edição de 2009, porque há tantas ainda não lidas lá em casa, que de vez em quando eu pego uma antiga assim pra ficar com ela na bolsa durante a semana, e folhear sempre que tiver um tempinho. Ontem eu tive mais que um tempinho, porque meu vô tá no Hospital e eu fui lá ficar com ele, e enquanto ele via Tv eu não conseguia estudar, então abri a revista e li umas páginas. Uma entrevista com a esposa do Jimmy Page, que fundou uma Instituição de apoio a projetos que trabalham com crianças de rua no Brasil, inspirador! Dois parágrafos sobre reaproveitamento do cocô de alguns animais na fabricação de papel - um deles cheira a rosas! Muito divertido. =) Uma matéria linda sobre um francês que é pura arte, e que atravessou de ponta a ponta (oito vezes) uma corda bamba que ele ligou entre as duas torres gêmeas, décadas atrás. Belo...
E aí fui pra matéria da capa. "Enfrente seu Medo".
Por que escolhi especificamente essa revista, dentre todas as outras, para entrar na minha bolsa essa semana? O motivo foi bem simples, como o nome da revista. Eu estava com medo.
Há uns dias encontrei uma taróloga que tinha sido contratada para ler o futuro de todos os convidados da festa (aqueles que quisessem saber do futuro, claro...). Minha primeira reação foi "Deus me livre!"... Mas, depois de muito pensar, cheguei à conclusão de que, se não aproveitasse a chance de saber meu futuro "de grátis", ia me arrepender pra sempre. Então lá fomos nós, eu e mais todo mundo, colocar nossos nomes na lista de atendimento. Era gente que não acabava mais, coitadinha da cigana...
Lá pro fim da festa chegou a minha vez, e, ao contrário da previsão de todos os outros convidados, que depois de ouví-la vieram falar pra gente das fortunas que iriam ganhar, eu ouvi meu destino e preferi me calar. Não tinham fortunas... Algumas alegrias, até mesmo um final feliz, mas uma notícia iria me assombrar pro resto da semana.
Aí, pronto: medo instalado e um soco no estômago que não queria mais sair.
E dá-lhe a Diana andar na rua ouvindo e vendo tudo de novo, as cartas na mesa, os olhos profundos que me falavam das decepções que me aguardavam...
E nada adiantava gritar pra si mesma, "presente, Diana! Volta pro presente! Ele que tu tens, ele é que importa!"... O medo ainda estava lá.
Achei que a revista pudesse me ajudar. Mas só fui ter coragem de ler (lembrando que coragem nem sempre é o oposto de medo) depois que a angústia havia diminuído e eu já tinha caído em mim, e entendido que, na verdade, medo é inútil.
A reportagem, porém, me despertou reflexões interessantes. Por exemplo, que nossos medos não são como os instintos animais, que servem para a própria proteção contra o perigo que se revela nos sentidos. Nós sabemos que vamos morrer, e sabemos que ter medo da morte não faz com que nos livremos dela. Sabemos que podemos ser assaltados, e o medo do assalto faz com que fiquemos em casa, perdendo muitas coisas boas da vida e, ainda assim, que jamais estaremos 100% em segurança.
Mas uma frase da revista me fez dar um novo sentido, uma utilidade ao nosso medo. "Se hoje um dos nossos maiores medos é o de fracassar, é porque uma das nossas maiores buscas é o sucesso." É isso! Os medos servem para que reconheçamos os nossos próprios desejos, nossas vontades, que se escondem atrás deles. Conhece teus medos e vais saber o que procuras. Se tens medo de perder uma pessoa, é porque queres justamente o contrário (ou talvez porque não queres ficar sozinho...). Se tens medo de falar em público, de passar vergonha, de ser julgado, é porque te importas com o que os outros pensam, apesar dos teus maiores esforços em desmentir esse fato. Ao saber esses pequenos detalhes, esses desejos, por vezes defeitos, muitas vezes virtudes, podemos nos conhecer melhor e mudar o que estiver precisando de mudança.
E da mesma forma que o que achamos dificil revela o que a gente ainda não sabe, mas pode vir a saber se enfrentarmos a dificuldade, o medo revela o que ainda não temos, mas podemos vir a ter se enfrentarmos esse monstrengo que a gente, meio inconscientemente, só faz alimentar e acariciar, até que ele nos devora.
Quanto à espiadela no futuro, vá lá, eu tava com medo de saber o que viria, e com razão. Mas enfrentei o medo (ok, só porque a curiosidade venceu), espiei, e agora? Me resta aceitar. A Mitologia, a Literatura e mil filmes já falaram dos perigos que residem na tentativa de mudar o seu próprio destino. Mesmo o Espiritismo diz que somos nós mesmos que traçamos todo esse caminho, antes de nascer. Mas a verdade é que quando reencarnamos esquecemos de tudo, e nem o passado nem o futuro se deixam conhecer por inteiro, até que tenhamos uma consciência completa de nós mesmos e do mundo. Então, pra que se estressar? O presente é o mais perto que eu posso chegar da verdade, e dele depende tudo o que vem depois.
Basta aceitar o presente, e aceitar o presente de grego que o destino às vezes é, e aceitar as pessoas como são, e me aceitar como sou, com minhas vontades, minhas impefeições e todinhos os meus medos.

E por mais difícil que isso seja, não é impossível. E, como eu li na revista, "quem não tenta, não experimenta, já fracassou."

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"Grande Ônibus Lotado" ou "Marex Ver-o-Peso"

Depois de um calor básico num ônibus com o dobro da quantidade normal de passageiros...

Cheguei do aeroporto. Deixei ela o mais perto possível do Avião - naquela linha que as pessoas sem cartão de embarque não podem ultrapassar. Uma moça falou do vôo 1874, mas na verdade era 1873, e a moça disse, "é, esse mesmo. Venham comigo. São vocês duas?" Bem que eu queria... Não, só ela. Aí eu me despedi, elas ultrapassaram a linha e eu fiquei olhando... Sabia que ela não ia olhar pra trás, porque não ia me ver acenando, então só vi ela se afastando até sumir. Disse pra ela me ligar quando entrasse no avião, mas não aguentei e liguei antes. Ela disse que a mulher não sacava das coisas, eu disse que ela falasse o que precisava, que disesse de que lado ela enxergava melhor, pros outros saberem, pra ela se sentir segura... Ela riu dizendo que sabia, que eu não me preocupasse. Ahan.. Fácil, fácil.
Fiquei um tempão na parada... Celular num bolso, dois reais no outro, um pacote de mentos na mão, sendo devorado em longos trinta minutos... Ela ligou "tô entrando no avião!" na hora que eu estava entrando no ônibus.
Foi ela que me deu os dois reais e o mentos, porque o papai, que foi deixar a gente lá, tinha que ir pro trabalho e só quem ficou fui eu. Até então eu tinha só o celular na mão e uma emoção contida porque o que eu tanto tinha sonhado, incentivado, dito, relaxa mãe, vai dar tudo certo! Agora ia acontecer. Minha irmã vai viajar sozinha, e eu que vou resolver tudo do embarque dela, não posso deixar nada passar, não posso esquecer nada, tudo tem que ser perfeito... "É o suficiente pra ti?", disse ela pegando o troco e me dando os dois reais. "É, só não posso pegar o ônibus errado." "Di, não vai pegar o ônibus errado, hein! É só pegar um que vá pra Almirante!". Hahaha... tão fofa.
Aí eu entrei no meu ônibus ao mesmo tempo que ela entrou no dela. O dela era o grande ônibus lotado, o meu era um Marex Ver-o-Peso que, tchum, virou numa ruazinha e entrou numa garagem, todos tinham que sair. Ai, e agora? Moço, todo mundo tem que descer? Sim. E eu tenho que pagar pra entrar no outro? Não. Menos mal. Tinham três, entrei num que já tava saindo e sentei na janela com sombra. Sorte.
Ou não.
Chegando no final da Dr. Freitas, naquele lugar que eu não sei nem identificar no Google Maps, e que são muito calos pra andar até em casa, o ônibus encostou e não saiu mais do lugar. Eu tranquila, olhando a paisagem que não se mexia, e quando dei por mim, só tinha eu e o cara do meu lado no ônibus. O cobrador e o motorista já tavam na rua, esperando pra dar o sinal pro próximo Marex que passasse.
Ai, meu Deus... Será possível? Bom, assaltada é que eu não vou ser. 15 centavos num bolso e um celular velho no outro, um par de havaianas arranhadas pela Cherrie, calça jeans suja de Cheetos e uma blusa do mágico de Oz bem suada por causa do sol das três da tarde...
Se me recusarem ônibus de graça, tenho um longo caminho pela frente, ou talvez uma longa espera por uma carona, ou pelo menos uma boa história pra contar.

E o ônibus dela, que horas será que ele chega?