sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

"Pensem no Haiti, rezem pelo Haiti..."

Enquanto aqui em Hamburgo a gente treme de frio, no Haiti a terra treme de medo. O numero crescente de mortes por conta dos sucessivos terremotos, do desamparo e da fome, acorda os questionamentos que nos aterrorizam. Por que há tragédias como estas? Por que Deus deixa isso acontecer? Por que tantas mortes inocentes, tanta injustica e tantas calamidades quase impossíveis de se solucionar? Estaria a Terra devolvendo pra gente todo o descuido e a displicência com que a tratamos? Seria destino? Seria acaso? Um pagamento de dívidas passadas? As religioes dao suas respostas, os filósofos criam mais perguntas, alguns nao ligam, outros nao ligam sequer a televisao.
Eu poderia escrever aqui minhas especulacoes, minhas crencas, mas o que realmente me chama atencao quando essas mega tragédias ocorrem nao é o medo das pessoas de um castigo ou do fim do mundo. Assim como o Tsunami, grande onda que varreu o sudeste da Ásia em 2004, a onda visível de solidariedade e amor ao próximo que atinge a humanidade diante dessas tragédias nao é coisa pequena. Sao tantos os que se emocionam, que se preocupam, que tentam ajudar, que oram, que sao tocados de tristeza pela tristeza alheia, de forma tao involuntária e natural, que isso forma uma corrente de amor no planeta que une tudo e todos, e os resultados disso só podem ser mágicos.
A frequência com que se fala e que se mostra as novidades dos terremotos na Tv pode até ser intencionalmente grande por conta da renda que as emissoras têm com tragédias espetaculares. Mas a quantidade de estandes que eu vi em Hamburgo de empresas recolhendo doacoes para os moradores do Haiti me chamou a atencao. Estandes montados no centro do shopping center mais caro da cidade. As doacoes, por mais que nao sejam o óbolo da viúva, sao pedidas sinceramente e entregues de fato às vítimas em forma de água, alimento, vacinas e primeiros-socorros, com prestacao de contas diárias nas notícias locais. E links como o que eu li hoje, um livro do Saramago com a venda integralmente revertida para ajudar as vítimas; e E-mails que circulam a torto e à direita, com contas para doacoes, com notícias e com pedidos singelos para que "oremos pelos nossos irmaozinhos no Haiti"... Essa onda de dedicacao ao próximo é que me invade e que me faz chorar, muito mais até do que a tragédia em si.
E se há males que vêm para o bem, a pergunta que eu faco é: é preciso mesmo haver males para que haja o bem? Se somos capazes de nos sensibilzar tanto quando uma catástrofe atinge o mundo, somos perfeitamente capazes de fazer o bem a cada dia, sem que as catástrofes precisem ocorrer. Olhando ao redor e ajudando os nossos irmaos que estao ali, do nosso lado, precisando de nós e nao os enxergamos.
Porque como disse Caetano, "o Haiti é aqui, o Haiti nao é aqui... "





(Foto: AFP)
Em filas infindas, os sobreviventes esperam sua vez de receber água e comida.


(Foto: REUTERS)
Agora sem-tetos, as vítimas se amontoam nas diversas "cidades de barracas".

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Andar sobre a água.

Domingo nublado, temperatura a menos quinze graus, três meia-calcas e uma calca jeans, duas blusas e um casaco, um protetor de orelha, um gorro, duas meias e uma bota. Três luvas, uma em cima da outra. Nao tem jeito, o frio bate e nao tem pena. Calcadas cobertas de gelo mesmo depois de uma semana inteira sem nevar. É tao liso que cada passo é precioso, e as maos ficam instintivamente à frente do corpo - isto é, caso nao estejam muito preocupadas em se proteger do frio se enfiando nos bolsos do casaco. O carrinho de bebê nao tem pneus de inverno e as botas estao velhas e já nao evitam movimentos derrapantes e vôos rasantes. O nariz sangra do clima seco, os olhos secam com o vento gelado, as orelhas doem por causa do frio, os lábios rachados gemem de dor porque... simplesmente nao tem como nao rir.
O que diabos estamos fazendo fora de casa??? Por que, meu Deus, trocamos o calor tao bom da lareira, as pantufas tao macias e o aquecedor tao útil e prestativo, por esse sofrimento voluntário??
Mas a pergunta fica no ar, e nos ocupamos em rir e pular de alegria diante de um cenário tao único e raro como o que encontramos ao acaso, gracas à nossa feliz idéia de sofrer.
Um lago - que na verdade é um rio - bem largo - congelado quinze centímetros e repleto de pontinhos pretos que eram pessoas em cima dele. Andando sobre a água. Patinando com seus patins de gelo, com seus tênis ou com suas barrigas, correndo, caindo, se equilibrando sobre o gelo tao liso, mas tao liso, que nao tem como duvidar. Aquilo nao é a neve derretida da calcada, nem um pátio molhado porque o estao lavando. É um lago, e congelou, e tá tao liso e reto e branco e enorme, que a gente só pode pular, mesmo sabendo que pular é perigoso nessas circunstâncias... e a gente só pode rir, mesmo sabendo que rir só faz a boca rachar mais ainda.
Conhecem a expressao "rachar o bico"? Entao, acho que vem daí. Quem inventou essa expressao foram as felizes pessoas que, mesmo num frio impossível, nao conseguiam parar de rir e pular de alegria.






domingo, 17 de janeiro de 2010


meu novo "kuschelecke".



meus flocos de neve psicodélicos...



ou seriam mandalas?



neve é uma coisa bem "paz": branca e silenciosa.



a saudade minha de cada dia. De cada minuto do meu dia.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

no Rio! a Odisséia rumo a Paris.

O nome dela era Margareth, e estava indo pra Lisboa, onde mora há 30 anos. Tinha passado 3 meses em Belém, visitando a família e aproveitando a cidade que ela ama de todos os jeitos possíveis. Juntas no desastre em comum, nao éramos só nós duas. Nos mandaram esperar por um cara que iria cuidar de todos os passageiros com conexao para Paris, e assim nos juntamos todos. Eu, Margareth, a Roberta - uma paraense que mora em Zurique, o Saul, paraense também, que tava indo fazer o Deutsch Winterkurs em Leipzig, além de outras pessoas com quem nao conversei. E tinha também um menino, visivelmente estrangeiro, que chegou com uma mala suja de terra, uma camiseta toda furada, um chapéu de palha na cabeca e um par de tênis sujos e meias na mao. Sim, ele estava descalco, no aeroporto do Rio de Janeiro, e parecia meio perdido. Eu olhei pra ele, ri um pouco e perguntei: "what's wrong?", e ele respondeu sem graca "it was too hot in Belém...". Há, como se eu nao soubesse. Só um ano fora e o calor de Belém me veio tao... calorento! Eu nunca tinha ficado tao desconfortável dentro de uma calca jeans, nunca tinha sentido tanta vontade de andar pelada, e nunca tinha sentido tanto prazer em entrar debaixo de um chuveiro gelado - três, até quatro vezes ao dia.
Conversamos no caminho em inglês, e ele se atrapalhava com as palavras, e depois confessou: eu passei muito tempo falando português, agora nao consigo falar inglês direito... Perguntei de onde ele era. Alemanha. Há! Eu moro em Hamburgo! "Aha! Sprichst du Deutsch?!" Aí ele me pegou. Tive que usar a mesma desculpa. É, passei muito tempo falando só português. Agora nao consigo falar alemao direito... Hehe..
O cara era uma figura. 19 anos, resolveu se mudar pra Anapu, pra entender como funcionam os projetos de desenvolvimento sustentável de que ele ouviu falar. Perguntei se era uma pesquisa, ele disse que sim. Perguntei o que ele estudava. "Viver", foi a resposta dele, com aquele erre no final, meio paulista, bem estrangeiro.

As horas no Rio foram muitas, mas passaram rápido. Passamos o tempo inteiro tentando salvar nossas vidas, porque nao decidiam de uma vez o que ia ser da gente. Enquanto eles pensavam, a gente fazia ligacoes nacionais e internacionais de graca do telefone da Tam, porque era um direito nosso, e é sempre muito bom usufruir dos nossos direitos. Falei com quem tinha que falar pra avisar do ocorrido, e liguei até pro namorado na Polônia, já que ele iria me visitar no dia seguinte.
A conexao era Air France, mas a Tam resolveu botar a gente num vôo Tam mesmo, que saía três horas depois do da Air France. E se a gente nao tivesse ficado em cima, era capaz de eles colocarem a gente num vôo no dia seguinte, ou pior. Mas no fim, deu tudo certo, e embarcamos num aviao à meia-noite (tava atrasado), e quase uma da manha partimos rumo a Paris.


O aviao era bem confortável, e eles colocaram a Margareth, a Roberta e eu juntas, na mesma fileira. Mas a Roberta, que tava no meio, pediu pra sentar sozinha, e ficou uma cadeira vaga do meu lado - ótimo pra esticar as pernas durante as 12 horas de sono-filme-música-comilanca. =)
Eu ganhei até um kit muito fofo, todo em vinho - uma bolsinha linda, com escova e pasta de dentes, um pente, um par de meias pra andar no aviao, um fone de ouvido e um protetor auricular. Bem gay. Amay.
E durante o vôo era possível programar uma lista de reproducao com as músicas que a gente quisesse, e eu coloquei as minhas preferidas da Vanessa da Mata, Maria Rita, Nara Leao e outros que eu esqueci. Esqueci porque, depois que comecei a ouvir um CD que eu nem conhecia, e que tinha colocado por acaso, só pra ver o que era, nao quis mais ouvir outra coisa.

Uma voz linda, quente, ai!, dava até arrepio escutar aquele homem cantar. Umas músicas românticas bem clássicas americanas, num ritmo meio anos 50, assim, meio Frank Sinatra. Gamei. Tirei o resto da lista e deixei só ele embalar meu sono internacional. Michael Bublé, meu mais novo eterno amor.




=P
Bom, aí tá um vídeo dele: "Im Your Man" ao vivo.



http://www.youtube.com/watch?v=FSU8GWW2LBk

domingo, 3 de janeiro de 2010

no meio do caminho...

O vôo entre Rio e Belo Horizonte é curto, dura menos de uma hora. E com toda a expectativa que foi criada nos passageiros, entao! Será que vamos chegar a tempo no Rio? Será que vao nos largar em Belo Horizonte e vamos ter que dar nosso jeito de ir pra casa? Será que vou chegar em Paris em tempo de ver o desfile?... Bom, minha expectativa já era bem outra. Será que vao me deixar descer do aviao pra deixar uma carta no correio?...

Ah, poucos sabem da minha paixao por Minas Gerais. Uma das paixoes que eu e meu namorado temos em comum. Da janelinha do aviao eu vigiava as montanhas passando, os gados, as plantacoes, até grutas eu acho que vi, dentro das formacoes rochosas... As árvores espalhadas, uma aqui, outra acolá, tao diferente do matagal a que estou acostumada...
Ai, eu amo Minas!!! Passando por ali me deu tanta vontade de ficar, nao sair mais! "Ôu!" ...é muito lindo. Na minha cabeca já se formavam as palavras que eu ia escrever na carta pra Lívia, e eu já via a surpresa nos olhinhos dela quando ela visse de onde vinha a carta: da cidade dela!! Ia ser tao engracado, passar em BH só pra deixar uma carta local... E a vontade de pegar um ônibus Confins-BH e ir lá na rua Grao-Pará fazer uma surpresa era imensa... Pena que nao pude.
Pouso autorizado, descemos para abastecer, limpar a aeronave e esperar que o aeroporto do Rio abrisse de novo. Todo mundo em pé, fazendo perguntas, agitado, indo ao banheiro, e as aeromocas doidinhas pedindo pro povo sentar e ninguém sentava, coitadas. =P
Nao sei quanto tempo ficamos lá confinados em Confins. Mas logo estávamos voando de volta pro Rio, e dessa vez eu nao estava sozinha. Tinha encontrado uma passageira que também ia pegar o vôo pra Paris, e aí pronto! Já estávamos juntas na mesma aventura.