Comi um pão de queijo, li A Peste numa mesa na frente da Imaginarium, me arrastei até a parada, esperei o ônibus encostada num carro sujo, liguei pra um amigo com quem não falo há tempo, queria contar pra ele da minha raiva, da minha tristeza e da minha solidão irremediável. Ele não atendeu, e eu peguei o ônibus com aquela vontade de me distrair, de ocupar a cabeça, de esquecer do vazio. Fazer compras não era uma alternativa.
Tentei ler A Peste, náuseas, vertigem, dor de cabeça, ar não-puro pela janela, frases embaralhadas de letreiros mal escritos, "cabelereiro mega hair peruca" sem vírgula nem enter. Me pus a pensar no dia de ontem, no dia de hoje, certa de que estava triste há muitos dias.
O caminho que faço diariamente em direção à parada da Antônio Baena é mais tranquilo, sombreado, silencioso e agradável que o caminho para a parada da Almirante Barroso. Por isso ando uma quadra a mais todos os dias, só pra me livrar do calor e do barulho dos ônibus enfurecidos. Sempre vejo mais ou menos as mesmas pessoas, ouço mais ou menos as mesmas músicas, ignoro mais ou menos as mesmas cantadas, e sempre cumprimento o dono da papelaria onde eu costumava plastificar as cartas de vocabulário que eu fazia pras minhas turmas de alemão.
Na frente da papelaria eu sempre via um velhinho jogando futebol contra a parede. Uma bola velha, ele muitas vezes sem camisa, mas sempre com um sorriso no rosto, cumprimentando a todos, sendo chamado por todos de Romário. Sempre o achei muito simpático, mas nunca nos falamos. Até que um dia eu passei, e dei bom dia para o dono da papelaria, e o velhinho me disse "bom dia, moça!" e eu respondi, sorri, e segui meu caminho. Ele gritou "pronto! quebrou o gelo!", e eu virei pra trás e sorri de novo, eu também gostei de ter quebrado o gelo. Depois desse dia, não o vi mais. Entrei de férias, então não ia mais diariamente para a parada e, mesmo quando ia, sentia falta do Romário. Várias semanas se passaram, e nada.
Hoje à tarde, a caminho da parada, contei pra Julia essa história, esperançosa de revê-lo, pois já começava a ficar preocupada, pensando em perguntar pro dono da papelaria se ele sabia o que havia acontecido. E qual a minha surpresa: ao chegar na bendita esquina, cumprimentamos o dono da papelaria e o Romário, que quase deixa a bola correr para a rua, quando se distraiu dizendo boa tarde pra mim e pra Julia, e nos estendendo duas balas "comentadas", acompanhadas do velho sorriso simpático do jogador. =)
Não pude deixar de sorrir quando lembrei disso, enquanto refletia sobre meu dia dentro do ônibus, e a náusea, a vertigem, a raiva, o vazio e a tristeza evaporaram como a fumaça do ar nada puro de Belém.
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