terça-feira, 7 de abril de 2009

4 meses

Ela já estava longe de casa havia 4 meses. 4 meses inteiros, sem sentir o cheiro da comida da avó, o cheiro do cabelo da mae, o cheiro da castanha-do-pará no caminho para a Universidade. 4 meses inteiros sem sentir o calor úmido dos ônibus lotados, o calor aconchegante do namorado, o calor do beijo dele antes de dormir. 4 meses sem o abraco de alguns dos amigos mais queridos, dos parentes mais amados, do pai, do irmao mais novo... Sem o abraco leve da avó que vivia dancando, sem a mao firme do avô segurando seu braco, quando ela sentava na beira da cama dele, de onde ele quase nao saía mais...
Já estava há 4 meses sem ouvir bom dia, boa tarde e boa noite em inglês dos seus alunos de idades sortidas, cujas vozes podiam demonstrar alegria, cansaco, inseguranca, tédio, dependendo da idade, da turma e da hora do dia... Ela sabia o nome de cada um, e podia arriscar dizer que conhecia a personalidade de cada um, mesmo só os encontrando por duas horas e meia semanais.
O 1° mês foi frio. Nao conhecia ninguém na nova cidade, e apesar das calorosas conversas com os donos da casa, ainda nao os via como uma família, e nao ousaria toques de qualquer grau, tampouco eles o fizeram. Os dias naquele Dezembro eram curtos, os mais curtos da vida dela, e comecavam tarde e acabavam antes das 3 horas. O inverno foi rigoroso, nao só para ela, mas para boa parte dos habitantes da regiao, que nao viam tanta neve havia alguns anos.
O Natal foi novo e diferente, e ela se encantava com as novas tradicoes, as cores brilhantes, as músicas repetidas, os gostos doces e quentes, as luzes da lareira quase constantemente acesa.
Os cheiros eram raros. Na rua, nao sentia cheiro algum. Mesmo em casa, com o ambiente aquecido, os cheiros que ela sentia eram associados à hora do jantar.
A paisagem nao mudava quando saía do bairro afastado onde morava. Talvez mudasse um pouco ao chegar ao centro cheio de lojas à margem do lago, mas normalmente era uma repeticao de prédios antigos, casas triangulares e bosques repletos de árvores secas. Tudo era lindo. Mesmo depois de 4 meses.
O tempo passou e ela também. Cada coisa nova se firmou no olhar dela, na pele e no paladar. Ela comecou a sentir na própria energia, a mudanca da estacao do ano. O 2° mês trouxe amigos novos e o 3° mês veio cheio de experiências e paisagens novas, com as viagens que fizeram, ela, os donos da casa e a família deles. Ao voltar para casa - a nova casa, que já era sua casa - seu olhar, sua pele e seu paladar estavam acostumados à energia que se renovava a todo instante, como um rio. Cada nova folha chamava sua atencao, e nenhuma flor passou despercebida. A alegria de quem passava era sua própria alegria, e o canto dos pássaros novos era a sua própria voz. E os cheiros - as ruas estavam repletas deles. Cheiro de mato, de flor, de chuva, de carro, de trem - estes eram os menos queridos, porém às vezes também os favoritos - a todo momento cheiros novos a invadiam como água entre as pedras.
Tinha o cheiro da praia... Na praia o vento era mais forte, e tudo vinha misturado. E as cores tamvém a invadiam, agora mais nítidas com a presenca quase onipresenca do sol. Este tinha o poder de fazer tudo ficar ainda mais bonito. Ele mudava tudo, tirava as pessoas de suas casas, os esquilos de suas tocas, as ovelhas de seu abrigo, os pássaros dos seus ninhos e as mesas de dentro dos cafés e sorveterias, agora lotados. Ele enchia a cidade com uma nova energia, mais contagiante que catapora e gripe juntos.
E aquela manha de Abril, quando véspera do aniversário de 4 meses inteiros, desde que saiu de casa, ela estendeu um pano na grama do quintal, à sombra de uma árvore porque o sol estivesse muito quente, trouxe um livro, uma garrafa de água e deitou sua menina a seu lado, enquanto a pequena dormia.
Leu a tarde inteira, as criancas brincando ao seu redor, as formigas tentando invadir seu pedaco de grama, a gata ensaiando deitar entre seus pés, a dona da casa trabalhando nas flores, e foi um movimento entre as flores - rápido e fugaz - que chamou a atencao. Teria sido a gata? Cadê? As flores eram amarelas, roxas e rosas, e brotavam entre as folhas de uma moita nao muito alta, e a gata teria que se abaixar para se esconder ali - e ainda assim veríamos sua cauda inquieta.
E foi quando ela viu, pela primeira vez em 4 meses, ali entre as flores, distraída e satisfeita com a temperatura, as cores e a abundância de pólen: uma borboleta.

3 comentários:

melzinha disse...

aah, que lindo esse texto, prima! =)

tão cheio de coisas mágicas e instantes e sensações. de castanha do pará à cheiro nenhum, que ainda assim é um cheiro. e de cangas e livros e momentos e pessoas. ah.. senti um pouquinho de você e da vida agora. rúm!

tinhamo. =*

Filipe Baratta disse...

todo esse suspense... por causa de uma borboleta!
tá ótimo o texto mas... uma borboleta? hahahah
saudades ;~~

Diana disse...

Coloridas
Labaredas
Feitas
De seda.

Borboletas
Não batem as asas
Só para mostrar
Sua beleza.
Borboletas
Aplaudem
A Natureza.

(Lalau)