sábado, 3 de janeiro de 2009

Paris - Parte III

Eu nao sei se foi muita falta de sorte ou muita sorte, o que eu tive naquele dia. Fato é que eu estava desnorteada, entediada e cansada, mas sem conseguir dormir. E sozinha. Essa era a pior coisa. Vivenciar sensacoes ruins, sejam quais forem... é sempre menos ruim se alguém está com você. De preferência alguém que fale a sua língua... Ou alguém cuja lingua você fale.
Nao foi o meu caso, quando conheci a Eduice. Ela só falava francês, e muitas vezes eu nao a compreendia. Mas foi menos ruim mesmo assim, eu tinha alguém com quem reclamar do frio e com quem pular ao ver tanta beleza, e com quem tirar fotos, e alguém pra tirar fotos minhas, e fazer comentários, mesmo sem saber se ela ia entender. Mas ali no aeroporto, eu nao tinha ninguém, nem mesmo pra dizer que o doughnut que parecia tao gostoso estava uma porcaria, e que o capuccino só tinha gosto de café normal, apesar de ser o olho da cara...
Eu fiquei indo e voltando do banheiro, tentando achar uma loja de roupas, tentando achar o que fazer, até que sosseguei e me encostei no cantinho da sala de espera, onde era um pouco mais quentinho, mas barulhento e lotado de gente esperando ser chamado para viajar. Um monte de gente com seus lap tops com internet wireless, aproveitando a zona disponível ali, e eu morrendo de inveja e de vontade de implorar pra algum deles, o que tivesse a cara mais boazinha, por favor, me deixa falar com a minha familia!!
Mas nao implorei. Se eu estivesse com alguém certamente teria mais coragem.
De repente, a sala quase vazia, notei que as lojas e os cafés do aeroporto comecaram a fechar. Morri de medo. Vou ficar aqui até de manha, preciso comprar alguma coisa pra comer. Fui até a bookstore que vendia comidinhas, e comprei a coisa mais cara-de-comida que tinha (e a unica que consegui escolher nos poucos segundos que restavam pra loja fechar, com o vendedor me apressando porque ele tinha que ir embora.) Pringles e suco de laranja com gás. E Twix, dois pacotes enormes.
Me encolhi de novo no meu cantinho, pronta pra dormir uma noite longa e solitária, e quando preguei o olho, um guardinha me chama dizendo em francês que a sala de espera vai fechar e que eu tenho que sair.
Eu tentei argumentar, "But I have to sleep..." e ele respondeu, acho que a única palavra em inglês que ele realmente precisava saber: "Sorry...", com um gesto de "o que eu tenho a ver com isso?".
Perguntei aonde eu poderia ir, e ele falou algo que para mim pareceu quarto andar. Lá vou eu, coitadinho do meu pé... Cheguei numa área livre, antes das salas de embarque do portao 3. Fui ao banheiro (ainda bem - ele fechou alguns minutos depois), dei uma geral e saí à procura de um lugar pra dormir. Ali nao tinha cantinho, e tinha mais pessoas que em qualquer outro lugar do aeroporto. Contei umas 10 (e o lugar era enorme)... A maioria recostada nas cadeiras, de olhos fechados. Até que avistei um garoto sentado, lendo um livro. Me enchi de coragem, cheguei e perguntei: "Pardon, parlez-vous Anglais?", ao que ele balancou a cabeca dizendo "Sorry...". Quase que eu desisto. Mas aquele "Sorry" era muito real pro meu gosto. Voltei. "Excuse me, why did you say sorry?" "Because I don´t speak French..." Aaah, que alivio! Um ser humano pertencente à classe escassa dos falantes de inglês naquele fim de aeroporto!! Implorei quase de joelhos: "Please, can you talk to me?". Nao tinha como ele dizer nao. Minha cara de solidao e desespero era tamanha, com certeza ele morreu de pena de dizer nao praquela louca...
Conversamos por um bom tempo. O nome dele era Brandon (preciso dizer que ele é americano?), 20 anos, estava voltando pra casa depois de 6 meses estudando História, com aulas alternadas em Roma e em Athenas. Perguntei o que ele estudava nos EUA: Medicina e Psicologia. Pensei ter finalmente encontrado um americano que gostasse de estudar e aprender em outras línguas. Me enganei. Ele estava na Itália e na Grécia, tendo aulas em Inglês. Mas pelo menos era um carinha que valia muito a pena conversar! Assunto nao faltou. Durante a noite toda. Mais ou menos uma hora depois, sentou atrás da gente um cara cheio de bagagens, que abaixou o chapéu e tentou dormir. Mas o celular dele tocou, e quando eu ouvi ele atendendo ("Oi!"), me enchi de esperanca. Um brasileiro! Foi só a ligacao terminar pra eu importunar ele também: "Tu és brasileiro?" "Nao, purtuguêis." Foi isso. Viramos o trio parada dura, suportamos o frio e o tédio, unidos venceremos!! O novo integrante era o Nuno. Estava a caminho de Sao Paulo, para encontrar a namorada Fernanda, tinham se conhecido em Faro, cidade dele, enquanto ela estudava pelo Erasmus Mundus. Ele era mais um carinha que definitivamente valia a pena conversar. Trazia na bagagem mil histórias, uma vontade enorme de aprender e até música brasileira, que mostrou pro Brian (que dancou em pé no aeroporto, dizendo "I like brazilian music!". - A música que tocava era Carolina, do Seu Jorge.) =D
O aeroporto desligou as luzes, os aquecedores, fechou os banheiros, as lojas e tudo o que podia fechar. Nós três aguentamos, dormimos e vigiamos durante horas, conversando sobre tudo (em inglês na maior parte do tempo), trocamos histórias, rimos muito, e quando a lanchonete abriu, tomamos café juntos, e eu estava com um novo humor, pois nao estava mais sozinha e tinha com quem reclamar do gosto e do preco das coisas de Paris. Mas de manha, cada um foi pro seu canto, e quando fui fazer meu check-in, julgando que seria rápido, me despedi dizendo que voltava logo, mas depois de meia hora, quando voltei, os dois haviam sumido. Uma pena. Eles foram mais um golpe de sorte e mais uma parte boa da loucura a que me aventurei em Paris.
O check-in foi uma surpresa. Meu vôo estava overbooked, o que significa que eles venderam mais passagens do que deveriam, e meu horário mudou de 10h35 para 15h35, ou seja, mais cinco horas no mínimo, sozinha, imunda e com os pés doendo. Pelo menos eles me deram um ticket de consolacao, que vale 250 euros em dinheiro ou 350 euros em descontos na AirFrance. Vaguei mais um pouco, e antes de ir ao restaurante que tinha dentro da sala de embarque, tirei os sapatos e fiquei andando de meia pelo aeroporto, morrendo de vontade de rir das caras assustadas de TODAS as pessoas que passavam por mim. E quando passei pela vistoria de bagagem e detector de metais, TODOS os caras que ali estavam comentaram que eu estava sem sapato, e eu morrendo de vergonha mas, claro, fingindo que era a coisa mais normal do mundo. Foi a melhor coisa que eu fiz naquele dia!!
Meus olhos nao estavam mais me obedecendo. Queriam fechar de qualquer jeito. Entao terminei de comer, fui ao banheiro escovar os dentes, sentei na sala de embarque e pedi ao moco que estava do meu lado, com a maior cara lavada: Você está indo para Hamburg? Por favor, me acorda quando eles nos chamarem? Obrigada.
E dormi.
Acordei três horas depois, bem a tempo de entrar na fila do aviao, e o cara nem precisou me chamar. A viagem foi curta e meu nervosismo foi longo. Me distraí conversando com um francês muito simpático mas nao muito cheiroso, que sentou do meu lado. Conversamos em inglês, sobre o Brasil, sobre a Alemanha, sobre a Franca, sobre saudade. Peguei a revista do aviao e comecei a ler as palavras em francês, tirando duvidas de compreensao e de pronúncia. Ele elogiou meu francês. =) Eu me distraí do nervosismo (será que eles vao estar lá me esperando?) e ele, do medo (ele tinha medo de aviao lotado). Nos despedimos cordialmente, agradeci pela conversa e ele disse "Perhaps we will meet again." Eu disse, "Sure!", mas apesar de muito agradecida, nao lembro o nome dele... =/
E acabou. Manuela, Willi e Luca estavam logo na saída, esperando pela moca com a bagagem maior. Mal podia esperar pela comida, pelo banho e pela cama que viriam a seguir.

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